Para ambientalista, países emergentes podem criar um modelo de desenvolvimento sem sacrificar o planeta
Paul Gilding, autor do livro “A Grande Ruptura
Agência O Globo / Divulgação
LONDRES - Paul Gilding, o autor do livro “A Grande Ruptura”, provoca discussões em todo o mundo quando afirma que chegamos ao fim da trilha do crescimento econômico. No entanto, ele não se vê como um profeta do apocalipse. Muito pelo contrário, o ambientalista é um otimista que acredita no poder de reação da Humanidade: “Podemos ser lentos, mas não somos estúpidos”.
Gilding é um veterano ambientalista, que foi chefe do Greenpeace Internacional, e hoje é consultor de sustentabilidade e professor associado ao Programa de Sustentabilidade da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Aos 52 anos, Gilding vive numa fazenda, na Tasmânia, ilha ao sul da Austrália, com a mulher e dois de seus cinco filhos. Durante suas férias no verão australiano, Gilding falou ao GLOBO sobre o fim da economia como a conhecemos hoje.
O GLOBO: O senhor diz em seu livro que a busca por lucro e crescimento econômico chegou ao limite. A que se refere a grande ruptura do título?
PAUL GILDING: A grande ruptura é o fim da economia como a conhecemos, do consumismo desenfreado, de um estilo de vida e de um crescimento econômico que não medem o impacto nos recursos finitos do planeta.
O que podemos fazer individualmente para ajudar a retardar esse processo?
GILDING: O mais importante a fazer é aprender como podemos melhorar a qualidade de nossas vidas. No mundo moderno, estamos focados em fazer mais dinheiro, consumir mais bens materiais, ter casas maiores e por aí afora. Significa que temos mais custos, que temos de trabalhar mais para pagar um custo cada vez maior e definitivamente não é assim que melhoramos nossa qualidade de vida... Precisamos aprender a viver com menos, para termos mais tempo de fazer o que nos deixa realmente felizes. Coisas simples como viver em comunidade, ficar com a família e os amigos.
O mundo está passando por uma mudança bastante importante: enquanto os países ricos estão afundados numa enorme crise financeira, os emergentes estão indo às compras. Mas precisam zerar uma dívida social enorme, o que significa mais gente consumindo, mais gente comendo, mais gente gastando dinheiro. Como fechar essa conta?
GILDING: Eu acho que temos diferentes abordagens para diferentes países. Os ricos terão de fazer uma dramática redução nos gastos e no consumo. Primeiro, porque está muito claro que nosso planeta não sustenta esse ritmo de crescimento econômico; e segundo, porque também está claro que dessa forma não vamos melhorar a qualidade de vida dos cidadãos desses países. Mas é diferente quando falamos de pessoas vivendo em países em desenvolvimento. É como se o mundo tivesse de abrir espaço para o crescimento. E, na verdade, os países em desenvolvimento estão presos numa armadilha dos ricos, que resolvem tudo com o crescimento econômico. A verdade é que movimentos como Ocupem Wall Street nos mostram que o crescimento econômico não entrega sempre uma integridade social; ao contrário, pode criar mais conflitos e divisões na sociedade. Nós temos de criar um novo modelo de progresso, que permita o desenvolvimento sem sacrificar os processos e o planeta. E países como o Brasil, por exemplo, têm neste momento uma grande oportunidade de fazer diferente, de tentar novos meios de governar uma sociedade em equilíbrio com o mercado.
Para especialista, década terá crise grave
De quantos planetas Terra precisaríamos para sustentar a taxa de crescimento atual?
PAUL GILDING: Precisaríamos de dois planetas Terra em 2030 para sustentar o crescimento de hoje. Três ou quatro em 2050. É impossível manter este ritmo porque temos uma só. Estamos destruindo a infraestrutura sobre a qual a economia foi construída. Quanto mais danificamos a terra, os oceanos, menos o planeta poderá suportar.
O senhor já disse que acredita numa mobilização da sociedade para as mudanças que estão por vir. Estamos acelerando o passo dessa mobilização?
GILDING: Em geral, não estamos realmente mobilizados. Ainda. Mas vejo que, desde que comecei a palestrar sobre a grande ruptura de que falo no livro, há uma aceitação maior ao fato de que precisamos discutir uma nova abordagem. Tanto que hoje muitos experts adotaram a ideia e falam sobre o equilíbrio que deve haver entre o crescimento econômico e o balanço social.
O senhor é um otimista?
GILDING: Sim! Eu sou um otimista incomum. Acho que o mundo vai ficar muito instável, que vai sofrer uma crise complexa, com muitos conflitos e um grande rompimento econômico. Mas nossa sociedade reage bem às crises. Então, apesar de muitas pessoas me acharem um pessimista quando digo que essa crise é inevitável, eu discordo. Sou otimista sobre o potencial de resposta da Humanidade a momentos como este, e a sua capacidade de fazer mudanças, e muito rápidas. Basta olhar o exemplo da Segunda Guerra Mundial e de como os ingleses reagiram numa situação limite. Nós somos realmente bons, extraordinários numa crise, temos grande capacidade de transformação e mobilização. Essa reação é universal.
Quando o senhor espera que deva acontecer essa grande parada da economia?
GILDING: Nesta década. Não estamos mais falando de longo prazo, para os filhos de nossos filhos. Vai acontecer logo, pois, quando algo é insustentável, eventualmente para. Também acredito que durará bastante, porque teremos exaustão de recursos e vejo o fornecimento de comida como uma das questões de maior importância.
Segundo as projeções atuais, vamos chegar a 2050 com nove bilhões de pessoas no planeta que precisarão de comida.
GILDING: Não é com a quantidade de pessoas vivendo, mas com o estilo de vida delas que temos que nos preocupar. É possível termos nove bilhões de pessoas e alimentá-las. Na Índia, as emissões de carbono estão em duas toneladas per capita, enquanto nos Estados Unidos vemos 26 toneladas per capita. Só não será possível se vivermos como hoje nos países ricos, sem pensarmos no desperdício e em como conduzimos nosso consumo.
O que o senhor ensina para seus filhos sobre o futuro do planeta?
GILDING: Você não quer que as crianças fiquem preocupadas com o futuro. Mas eu procuro ensinar as coisas em que acredito. Eu tenho cinco filhos, quero que eles sejam felizes. Eu tento ensinar como viver bem sem precisar de muito. Quero que eles saibam como é possível ter uma boa vida num mundo de nove bilhões de pessoas.
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